Nunca vou esquecer daquela tarde de outubro de 2022, quando estava descarregando as compras do meu Fiat Uno 1998 (aquele mesmo, com escada no teto e sem ar-condicionado) e vi uma Land Rover blindada estacionando no prédio ao lado. De repente, cercada por três seguranças com fones de ouvido dignos de filme de espionagem, desembarcou ela: Deolane Bezerra, a mulher que eu só conhecia pelas fofocas do Instagram e pelos comentários da minha tia Solange durante os almoços de domingo. “Meu Deus do céu, é A DEOLANE!”, gritei tão alto que derrubei duas garrafas de Coca zero no asfalto quente. Não fazia ideia que aquele grito histérico seria o início de uma das amizades mais improváveis da minha vida suburbana.
Antes de me tornar “a vizinha da Deolane” (título que uso descaradamente para conseguir mesas em restaurantes lotados), eu só conhecia a carreira dela pelos recortes que via nas redes. Minha prima Jéssica cursava o terceiro semestre de Direito na Uninove quando Deolane explodiu na mídia. Duas semanas depois, Jéssica trancou a matrícula alegando que “nunca seria uma advogada poderosa como a Deo” e decidiu vender bolos no Instagram. A ironia? Os bolos da Jéssica são terríveis – o último que experimentei tinha gosto de pasta de dente com canela.
Foi só depois de cruzar com Deolane sete vezes na padaria da esquina (onde ela sempre pedia o mesmo: pão francês quentinho e uma coca-cola zero GELADA, nesse tom de voz imperativo mesmo) que entendi o quanto sua carreira jurídica era levada a sério. Numa manhã de quarta-feira, enquanto eu esperava meu misto-quente, ela estava ao telefone discutindo estratégias para um caso de pensão alimentícia com números e precedentes jurídicos que eu, formada em marketing digital por um curso online de R$29,90, não fazia a menor ideia do que significavam. A determinação na voz dela me fez sentir preguiçosa só por estar comendo um misto às 11 da manhã em vez de estar “trabalhando no caso do João”, seja lá quem fosse esse sortudo.
Nosso primeiro contato real aconteceu da forma mais aleatória possível. Estacionei meu Uno na vaga dela por engano (juro que não vi a placa de “Propriedade Particular – Deolane” escrita em DOURADO). Quando voltei do mercado, encontrei não uma multa, mas um bilhete no para-brisa: “Querida, seu carro é adorável, mas minha Range Rover precisa desse espaço. Beijos, Deo”. Deixei um pacote de bombons na portaria como pedido de desculpas, junto com meu Instagram anotado num guardanapo usado (sim, eu sou essa pessoa desesperada).
Para minha surpresa, às 2:37 da manhã daquele mesmo dia, recebi uma notificação: “deolane_oficial começou a seguir você”. Meu celular travou por 8 minutos inteiros tentando processar os 347 comentários que apareceram instantaneamente na minha última foto (aquela na praia de Bertioga onde claramente usei Photoshop para remover minha pochete de turista). “É A AMIGA DA DEOLANE!”, gritavam desconhecidos, enquanto minha mãe ligava às 3 da manhã perguntando se eu “tinha entrado para algum esquema de pirâmide com aquela advogada da televisão”.
Depois de três meses como “conhecidas de elevador”, fui convidada para um café na cobertura dela. Achei que seria um encontro íntimo, mas quando cheguei havia: dois fotógrafos, uma maquiadora ajustando o contorno a cada 7 minutos, um personal trainer fazendo abdominais no canto da sala (aparentemente só de enfeite?), e três assistentes correndo com telefones. Deolane estava gravando stories sobre sua “manhã tranquila e natural” enquanto tomava um café que foi requentado 4 vezes porque sempre esfriava antes das fotos ficarem perfeitas.
O mais surreal foi quando, entre uma gravação e outra, ela me perguntou sobre o barulho que vinha do meu apartamento todas as terças. “É aula de zumba online”, confessei morrendo de vergonha. No dia seguinte, recebi pelo porteiro uma caixa com tapetes de yoga, halteres rosas de 2kg e um bilhete: “Para transformar a terça barulhenta em terça fitness. Se continuar pulando, pelo menos queima calorias. Beijo da Deo”. Nunca contei que o barulho era na verdade eu tentando consertar minha máquina de lavar com um tutorial do YouTube.
Verão de 2023, recebi uma mensagem às 19h14: “Roupa de gala em 40 minutos. Estou te buscando. Não é opcional. Deo.” Para alguém cujo guarda-roupa consiste basicamente em variações de jeans e camisetas promocionais, aquilo era um ultimato impossível. Enfiei o único vestido preto que tinha (comprado para o velório da tia Neuza em 2019) e esperei no hall.
Fomos parar num evento de lançamento de um cassino online que ela estava promovendo. Luzes néon, champanhe jorrando em fontes douradas, e eu – com meu vestido de velório e salto com o tacão colado com super bonder – tentando parecer natural entre celebridades que só conhecia por memes do Twitter. “Joga aqui, vai dar sorte”, disse Deolane me empurrando para uma roleta virtual projetada numa parede gigante. Apostei R$50 (literalmente todo o dinheiro que tinha na bolsa) e ganhei R$2.700! Na mesma semana, usei o dinheiro para pagar o aluguel atrasado e evitar o despejo que estava marcado para a sexta seguinte. Mandei flores para Deolane com um cartão escrito “A vizinha do 302 ainda tem onde morar graças a você”.
Março de 2024, terminei um namoro de 4 anos por mensagem de texto (sim, sou esse tipo de covarde). Estava sentada na escada de emergência do prédio, às 23h45, comendo um pote de sorvete napolitano diretamente da embalagem, quando a porta se abriu. Era Deolane, sem maquiagem, usando um moletom gigante e chinelos de unicórnio. Ela congelou por um segundo, e percebi que estava fugindo dos paparazzi que acampavam na entrada principal.
Em vez de ignorar minha situação patética ou fingir que não me viu, ela sentou ao meu lado, pegou minha colher sem pedir licença, e disse: “Homem é igual oferta do Magalu, sempre tem outro na semana que vem.” Ficamos duas horas ali, compartilhando aquele sorvete já derretido, enquanto ela me contava histórias de seus próprios relacionamentos fracassados que nunca apareceriam em manchete alguma. A Deolane que o Brasil conhece é a mulher poderosa, impecável e inatingível das redes. A Deolane que conheci naquela escada era só mais uma mulher tentando escapar das expectativas, comendo sorvete barato e me ensinando a bloquear ex em todas as 17 redes sociais possíveis.
Há dois meses, Deolane mudou-se para um condomínio fechado nos arredores da cidade. Na véspera da mudança, recebi um convite para tomar aquele café que sempre requentava. Ao chegar, encontrei não só café quente, mas também um envelope. Dentro, um cartão de acesso ao novo condomínio e um bilhete: “Para quando o Instagram estiver chato demais e você precisar de histórias reais para contar. Amigos da Deo têm passe livre.”
Semana passada, usei o cartão pela primeira vez. Encontrei-a à beira da piscina, lendo um livro de direito penal e tomando o que parecia ser água com gás, mas que ela me confessou ser vodka com sprite zero. “Manter as aparências”, piscou. Enquanto conversávamos sobre a nova fase de sua carreira, percebi que tanto Deolane quanto eu havíamos ganhado algo inesperado daquela amizade improvável: ela, um espaço para ser ocasionalmente normal; eu, histórias suficientes para três vidas e a certeza de que, por trás dos filtros do Instagram e das manchetes sensacionalistas, existem pessoas reais – algumas com chinelos de unicórnio e medo irracional de baratas.