Em janeiro de 2021, eu era apenas Josias, 42 anos, zelador do prédio Marechal Deodoro na Tijuca, Rio de Janeiro. Acordava às 5h14, varria 16 lances de escada, limpava a piscina que ninguém usava e sorria para moradores que nem lembravam meu nome. Hoje? Bem, continuo sendo Josias, mas agora sou conhecido como “O Senhor das Frutas” nos grupos de WhatsApp da família – tudo por causa de uma noite chuvosa, três latinhas de cerveja Brahma e um jogo chamado Fruit Bet que descobri quando deveria estar consertando o vazamento do 302.
Era uma terça-feira. Lembro porque terça é dia de feijoada no PF da Dona Neide, e eu tinha manchas de feijão na camisa branca quando tudo começou. Chovia tanto que parecia que São Pedro estava lavando sua coleção de elefantes lá em cima. Sentado na guarita, esperando a chuva passar, vi uma propaganda colorida do Fruit Bet no celular velho que minha filha me deu quando comprou um novo.
“Apostas com frutas? Que besteira é essa agora?”, pensei, enquanto clicava por pura teimosia. O jogo carregou mais rápido que o elevador do prédio (que, convenhamos, não é muito difícil). Na tela, um festival de cores com melancias, uvas, cerejas e laranjas brilhantes dançando como se estivessem numa festa à fantasia.
Depositei R$30 – parte da gorjeta que recebi do 1201 por ter achado a aliança dele atrás do vaso (não pergunte). “É só uma vez”, menti para mim mesmo, como quem diz que vai comer só um pedaço de pudim de leite condensado da geladeira.
Minha estratégia inicial no Fruit Bet era tão sofisticada quanto minha técnica para consertar o portão eletrônico: apertar botões aleatoriamente e rezar três Ave-Marias. Apostava R$2 por rodada, assustado cada vez que as frutas giravam como se fossem participar do Carnaval.
Os primeiros 20 minutos foram frustrantes. Perdi R$18 rapidinho, resmungando sozinho na guarita que “isso é roubada”. O síndico até parou para perguntar se eu estava passando mal. “Só dor de barriga da feijoada”, menti. Ele assentiu compreensivo – a feijoada da Dona Neide tem essa fama.
Estava prestes a desistir quando aconteceu: três melancias perfeitas alinhadas como soldados em formação, seguidas por um barulho de moedas que me fez derrubar o celular na poça d’água sob a cadeira. R$175 ganhos num clique! Pesquei o celular encharcado, sequei na camisa manchada de feijão, e encarei aquela pequena fortuna digital com os olhos arregalados. Era mais do que ganhava por dia de trabalho!
Naquela noite, não consegui dormir. As frutas coloridas dançavam na minha cabeça como se estivessem numa festa comandada por um DJ alucinado. Comecei a desenvolver teorias sobre o Fruit Bet que fariam cientistas da NASA coçarem a cabeça:
17 de março, uma data que ficará marcada na história do Edifício Marechal Deodoro como “O Dia em que Seu Josias Enlouqueceu”. Era uma reunião de condomínio particularmente tediosa. O 502 reclamava do barulho do 402, que reclamava do cheiro de fritura do 302, enquanto eu fingia anotar tudo num caderninho, mas secretamente jogava Fruit Bet com o celular escondido embaixo da mesa.
Foi quando aconteceu: rodada bônus com multiplicador. As frutas giraram como num liquidificador endiabrado. Quando pararam: cinco bananas douradas perfeitamente alinhadas, com um multiplicador 25x! R$1.250 de uma aposta de R$2!
Minha reação instintiva foi um “SANTA BANANA!” tão alto que a senhora do 901 engasgou com o café, o síndico derrubou a prancheta, e o cachorro do 602 (que inexplicavelmente estava na reunião) começou a latir como se tivesse visto um gato fantasma.
“Seu Josias, o senhor está bem?”, perguntou o síndico com genuína preocupação. “Vi uma… uma barata GIGANTE ali!”, improvisou meu cérebro em pânico. O problema: não havia baratas no prédio há meses graças ao meu rigoroso programa de dedetização. O síndico franziu a testa: “Mas o senhor mesmo não disse na semana passada que eliminou todas as baratas do prédio?”
Foi ali que minha reputação de zelador exemplar ganhou uma mancha: agora eu era o homem que via baratas imaginárias. Melhor que ser o zelador viciado em jogos de frutas, suponho. Depois disso, toda vez que eu sorria verificando o celular, a Do 901 perguntava com uma piscadela: “Viu mais alguma barata hoje, Seu Josias?”
Cremilda, minha esposa há 19 anos, é aquele tipo de mulher que consegue sentir o cheiro de problema antes mesmo dele acontecer. Quando comecei a jogar Fruit Bet regularmente, tentei esconder como um adolescente esconde cigarro.
“Josias, por que você leva o celular até para o banheiro agora?”, ela perguntou numa noite, enquanto eu tentava parecer casual lendo jornal no sofá (estratégia de disfarce obsoleta desde 2010).
“Problema intestinal”, respondi, sem tirar os olhos do jornal que, percebo agora, estava de cabeça para baixo.
“E esse barulho de moedas caindo que vem do banheiro é parte do seu problema intestinal também?”, ela questionou, com aquele tom de quem já conhece a resposta e só quer ver você se enforcando na própria mentira.
Seguiu-se a maior crise matrimonial desde O Grande Debate Sobre Se Deveríamos Adotar Um Papagaio Em 2018 (não adotamos, graças a Deus). Cremilda não era contra apostas, ela disse – era contra mentiras. Mostrei a ela minha planilha detalhada (sim, evolui da conta de luz para uma planilha real no Excel), comprovando que estava no lucro e tinha limites claros.
O acordo de paz envolveu três condições: 1) Nunca mais jogar escondido, 2) Limitar a 10% do salário, e 3) 30% dos ganhos iriam para o fundo “Cruzeiro dos Sonhos” que ela planejava desde que assistimos “Titanic” em 1998 (sem iceberg, ela sempre enfatiza).
A história mais inacreditável da minha saga com o Fruit Bet aconteceu em agosto de 2022. Minha filha Jéssica anunciou que ia casar, e como pai da noiva, estava suando frio pensando nos gastos. O salário de zelador não cobre festas de casamento, a menos que você queira servir salgadinhos do bar da esquina e contratar seu sobrinho DJ como animação.
Numa noite particularmente escura de desespero financeiro, decidi tentar uma última sessão de Fruit Bet. Com Cremilda ao meu lado (cumprindo o acordo), depositei R$200 – praticamente toda nossa sobra do mês.
“Josias, tem certeza?”, perguntou Cremilda, segurando meu braço como quem segura alguém prestes a pular de um penhasco.
“O casamento da nossa filha vale o risco”, respondi, sentindo-me parte herói, parte idiota completo.
Comecei com apostas de R$5, aplicando todas minhas teorias pseudocientíficas acumuladas. Na sétima rodada, acionei o modo bônus. As frutas dançavam na tela, mais multiplicadores apareciam. Cremilda apertava meu braço com tanta força que perdi circulação. Quando finalmente parou: R$7.850!
O grito que demos assustou tanto nosso gato Bigode que ele não saiu debaixo da cama por dois dias. Quando contamos para Jéssica que poderíamos pagar sua festa de casamento graças a um jogo de frutas, ela nos olhou como se tivéssemos anunciado que aliens haviam deixado o dinheiro. “Vocês estão tirando com a minha cara?” foi sua resposta inicial.
No casamento, enquanto todos elogiavam o bufê, o DJ e a decoração, Cremilda cochichava para as amigas: “Tudo isso graças a melancias e bananas virtuais”. Ninguém acreditou, claro. Acharam que era uma piada ou que estávamos disfarçando algum empréstimo vergonhoso. A verdade sobre as frutas mágicas ficou como segredo familiar.
Depois de quase um ano alternando entre limpar escadas do condomínio e alinhar frutas digitais, cheguei a algumas conclusões que nem Freud conseguiria explicar:
Olha, é que nem pescar: às vezes você volta com um robalo de 5kg, às vezes só com história pra contar. Em 278 dias jogando, estou com lucro de R$12.476,50. Não, não joguei todo dia. Sim, tive semanas de prejuízo. E não, não vou largar o emprego de zelador para virar jogador profissional de frutas. Há limites para a loucura, mesmo no Rio de Janeiro.
Dona Jurema, a senhora precisa parar de ouvir atrás das portas durante as reuniões de condomínio. Mas já que perguntou: na minha experiência extensa com frutas digitais, as bananas têm 23% mais chances de formar combinações vencedoras às quartas-feiras. As melancias dominam nas sextas. Cereja? Só depois das 22h. Não me pergunte por quê. Algumas coisas na vida, como o cheiro persistente de peixe no elevador após o almoço de sexta do 501, permanecem sem explicação científica.
Olha, Dona Marinete, considerando que paguei o casamento da sua filha com dinheiro de frutas virtuais, e a senhora usou um vestido de R$900 nesse mesmo casamento, sugiro que repensemos o conceito de vergonha. Além disso, a senhora mesma não ganhou R$300 semana passada apostando no jogo do bicho? Vejo a senhora toda terça na banca do Seu Olavo. Respeito mútuo, por favor.
Não vou dizer que o Fruit Bet me transformou num milionário ou que agora sou dono do prédio onde antes apenas limpava as escadas. Continuo sendo zelador, continuo acordando às 5h14, e o vaso do 302 ainda entope misteriosamente todo primeiro domingo do mês.
Mas algumas coisas mudaram:
Vejo o Fruit Bet como vejo os moradores do condomínio: alguns são difíceis e problemáticos, outros são generosos e agradáveis, mas todos fazem parte do mesmo sistema complexo que, por algum motivo inexplicável, funciona no final do dia.
Para quem chegou até aqui: o Fruit Bet não vai resolver sua vida financeira. É diversão com potencial de lucro, como vender água de coco na praia – às vezes você ganha bem, às vezes volta para casa só com o isopor vazio e uma queimadura solar.
Como diria minha avó Etelvina (que ironicamente foi presa nos anos 70 por administrar um bingo clandestino no porão da igreja): “Na vida, aposte o que pode perder, agradeça o que ganha, e nunca, jamais confie em síndico que usa sandália com meia”. Palavras para viver.
Agora, se me dão licença, o 702 acabou de ligar. Aparentemente, o chuveiro elétrico está “soltando faíscas coloridas como as frutas daquele seu joguinho”. A vida de zelador continua, com ou sem jackpot de bananas.